sexta-feira, 12 de setembro de 2008

papel


colocou os óculos de sol. eles defendiam os olhos dela. dessa vez não sairia de all-star. usaria chinelos. branco e roxo. naquele dia. particular. e previsivel. ela atuaria. seria atriz principal. ou coadjuvante. não se importava. desceu até a garagem. a vaga que ela tinha. era horrível. mas o carro ficava guardado. protegido. como se isso fosse importante. preferia andar a pé. via mais gente. observava outras histórias. sorria pra alguns. abaixava a cabeça para outros. e corria ao passar em frente as construções. mas mesmo assim ia aos lugares andando. dessa vez saiu de casa. com destino. iria a uma loja de esportes. compraria algum artigo. não sabia bem qual. mas precisava mudar a rotina. estava parada. e se preocupava. estacionou o carro. desligou o rádio. mas desistiu do esporte. tinha uma loja ao lado. vendia almas. sim. era isso que a placa anunciava. ao entrar na loja. tropeçou num tapete de boas vindas. ficou vermelha. mas continuou firme. no balcão uma graciosa moça loira preguntou.
-O que você deseja?
-Não sei.
-Você precisa de alma?
-Não sei.
-Acho que posso te ajudar.
as mãos da moça tocaram a sua. e a puxaram para o outro lado da loja. que não era sombria. era até alegre. as paredes eram amarelas. e o teto lilás.
-Acho que essa lhe serve.
-Onde eu posso experimentar?
-Vá até ali. escolha um algodão. e molhe na água. depois passe ela do lado esquerdo do peito. aguarde alguns segundos. e veja se gosta.
ela foi até o outro lado da loja. escolheu um algodão verde. e fez o que a moça lhe mandara fazer. esperou exatos 9 segundos. até que sentisse. era algo diferente. parecia embriagada durante alguns minutos. mas depois olhou no espelho. e gostou. não sabia ao certo o que lhe passava na cabeça. mas por lá ouvia-se coisas boas.
-É acho que vou levar essa.
-Não quer experimentar mais nada?
-Não. sou decidida. experimentar demais só confunde a gente.
-Tudo bem.
-Quanto é?
-Como?
-Quanto eu lhe devo?
-Ahhh...você não entende ainda?
-O quê?
-A alma não é paga com dinheiro. você comprou. e paga como achar que deve.
-Não entendi.
-Você paga com uma ação. pode ajudar alguém a atravessar a rua. ou se achar melhor. salve alguém da morte. o tamanho do pagamento. é a gosto do cliente. quando sua dívida for paga. eu saberei. até logo.
saiu da loja desconcertada. mas com uma alma nova. limpa. pensou em como pagaria. tantas pessoas precisavam de ajuda. outras tantas coisas poderiam ser feitas. pegou o carro. e voltou pra casa. listou quem gostaria de ajudar. depois de algumas horas. teve um estalo. sim. um estalo. foi até uma creche do outro lado da rua. e olhou para as crianças. levaria alguma por um dia. ao passar pela porta. uma garotinha de no máximo 3 anos. com cabelos encaracolados. e pele morena. sorriu. e disse.
-tia. estava te esperando.
era ela. a forma de pagamento. pegou a menina no colo. e o abraço que recebeu. foi forte. como algum tempo não sentia. levou a menina dali por um dia. pagou a alma. e ganhou uma filha. sim. ela adotou a menina. depois daquele sorriso. e do abraço. não consequiria esquecê-la. foi amor. a primeira vista. avassaldor. intenso. prudente. certo. depois de algum tempo. percebeu que naquele dia. não comprou uma alma. apenas restaurou a sua. mudou de vida. olhou para os lados. notou a rua. tocou o mundo. e amou. um amor eterno. de mãe. então começou a atuar. ganhou um papel na vida. que não era mais secundário. agora. seria estrela. mas não sozinha. tinha família. tinha sonhos. fazia viagens. tirava fotos. participava do balé. e fazia contas de matemática. foi assim. que ela ficou famosa. mas não era uma celebridade qualquer. era uma musa. uma heroina. era mãe.

6 comentários:

Germano Viana Xavier disse...

meio Fausto, de Goethe.
surreal é alma em negócio.
caleidoscópio improvável?
ou não.


um carinho, Jaque.

Unknown disse...

li umas duas ou três vezes seu texto. gosto da sensação doq eu é dito sem o fechamento da idéia, como se pudessemos transfomar o rumo da leitura.

Letícia disse...

Você protege suas palavras com ponto final. Fica diferente o texto. E novo. Palavras minúsculas me lembram o cummings. Eu adoro.
Bjs.

f@ disse...

Brilhante este texto... bom de um toque suave e intocável...
quem dera que se multiplicasse este gesto ... que o sentido da vida com esse amor e o sabor do coração
bj das nuvens

Camilla Tebet disse...

Que história louca. Sai pra comprar um artigo esportivo, compra uma alma nova e adota uma criança. Acho que é um pouco assim, saímos perdidos, sem saber ao certo do que precisamos, e vamos arriscando em ccoisas absurdas, como um tênis, até que uma loja de almas no surpreende e quando vemos estamos adotando uma criança. Vivendo plenas. È assim?
Adorei esse texto. O tema, o ttexto, tudo. Duca.
Adorei.

Alexandre Henrique disse...

Lindo Jaque, lindo sua forma de escrever é suprema! Este texto tem uma suavidade que os outros não possuem, olha a forma que ela protegia-se do calor do sol com os óculos, ao entendimento que ela possuía um amor imenso dentro de si!Tão puro tão materno, tudo vindo de alguém que estava machucada e queria paz, cansada do esporte... Tirou os óculos e restaurou a sua vida, sendo a primeira estrela na alma de alguém Lindo ... Isso é luz sem dúvida.. Fantástico isso, e fantástico vc escrever desta forma, e as duas coisas são como um brilhar de olhos.. Nos seus pontos costumeiros, e na sua forma de privilegiar os diálogos com as maiúsculas, e deixar sutileza quando não faz isto :P
Lindo, adorei o texto, e é sem dúvidas é um papel a ser escrito por duas mãos...
Paz, Amor, Respeito e carinho, devem ser eternizadas, sim pois estas coisas nunca estão sós no espaço tempo, e nem na arte.

Com respeito, e liberdade....
Alex.