sexta-feira, 18 de setembro de 2009

a sala colorida


Não sabia por que permanecia ali sentada no sofá vermelho da sua sala colorida. Já passavam das duas da manhã. E a menina de olhos pintados e sandália azul havia passado o dia esperando. Tinha certeza que ele faria uma surpresa e apareceria de repente com o cabelo despenteado e seu all-star preto de cano alto. Não estava triste. Não estava feliz. Estava apenas sozinha na sala colorida.
Olhou as fotos ao lado dos lírios. Tinha uma dos dois. Ela estava com sua fita azul no cabelo e ele com seus óculos quadrados e grandes. Tinham passado aquele dia fazendo descobertas. Ali mesmo na sala colorida. Inventavam histórias. Se vestiam e “desvestiam”. Pintavam. Sorriam. Faziam silêncio. Só os dois.
Ela sorriu baixinho. Tirou as sandálias. E sentiu o chão gelado afundar na alma. Ligou a torneira e lavou os olhos. Deixou a água caindo em suas mãos. Parecia ter se esquecido ali. Não sabia o que faria. Talvez devesse escrever uma carta. Enxugou as mãos. Foi até o quarto de paredes verdes e tapetes vermelhos. Pegou papel e caneta. Sentou-se.
Amormeu,
sua foto ainda está ao lado dos lírios. a sala continua colorida. e o chão gelado. as coisas parecem as mesmas. e você não está aqui. às vezes fico esperando. talvez vocÊ apareça de surpresa. como sou boba. sei bem. é que você faz parte de mim. dos meus planos. da minha família. do meu dia. e da noite. não falo pelo excesso. falo pelo desejo.
Com todo amor do mundo.
foi tudo o que escreveu. esperou o dia amanhecer. e no dia seguinte foi visitá-lo. levou lírios. e a carta. levou a fita azul de cabelo. e os óculos grandes e quadrados. sentou-se. o túmulo era gelado. no cemitério fazia sol. e ela sorriu. depois chorou de saudade.

Imagem devianart by iTaylie

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

esmalte vermelho

As mãos da menina estavam geladas mesmo naquela noite de calor. Ela se sentia quente ardendo de frio. Era complicada. Era diferente. Era ela a menina de esmalte vermelho.
O cabelo se desajeitava na varanda. O vento era leve. Ela não entendia. Mas gosta de ficar ali desajeitada. Confortada.
Acendia um cigarro. Depois outro. Enquanto o tempo passava. E ela nada fazia. esperava coisa qualquer. Ouvia jazz e música francesa. Gostava de cantar baixinho. Dançar escondida. Pular na cama. Parecia criança. Embora fosse grande.
Precisava falar com alguém. Mas já era noite ninguém havia de estar acordado. Não podia fazer visitas aquela hora. Sua mãe lhe disse que era falta de educação ir a casa dos outros tão tarde. Por isso ela não foi. Pegou o telefone e ligou. Acordaria alguém. Ligar era mais educado. A pessoa não iria precisar fazer sala. Nem se vestir. Nem fazer café. Só precisava falar com ela.
- Alô...
- Oi, sou eu...
- Você sabe que horas são?
- Sei que passam das três, mas você disse que eu poderia ligar quando quisesse...
- É eu disse...
- Não tenho muita coisa pra contar.
- Também não.
- Mas não quero desligar.
- Sinto sua falta, preta.
- É também sinto a sua.
- ...
- Tirei algumas fotos ontem. Lembrei de você.
- É mesmo por quê?
- Tirei foto de músicos. E você gosta tanto de música né?!
- É mesmo...
- É estranho ouvir sua voz de longe, mas estou bem!
- Sinto sua falta, mas tudo tem seu tempo, minha preta.
- Eu te disse que iria esperar. Estou conhecendo tantas coisas novas, você deveria estar por perto. Tenho medo de dividir isso com outras pessoas...
- Sei que você vai esperar. Estou guardando tudo pra você. As histórias, os lugares, meu amor...
- Não tenho razão, sei bem. Gosto dos impulsos largados e cometidos.
- Você nunca pensa muito nas coisas, eu sou sua balança. E prometo estar logo por perto...
- Acho melhor desligarmos agora...
- Te amo preta.
O telefone ficou mudo antes que ela pudesse responder. Diria a ele que o ama também. Que esperaria. Que retomaria a razão e ficaria. Que tantas coisas mais.fechou a porta da varanda. E os olhos. Não queria mais ver o tempo passar...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Mais muito mais.

conheci uma família que me fez sentir pena. eram bonitos. de classe social média alta. não passavam fome. nem dormiam sobre ruas geladas. eram bonitos. pai. mãe. e filha. os pais deviam ter seus quarenta e poucos anos. a filha vinte e poucos. agiam da mesma forma. e por isso senti pena. o pai se vestia como um garotão. e só falava em suas novas aquisições. elogiava o belo corpo que a mulher conseguiu em uma lipo. nas loucas dietas sem comida. e nas longas horas de academia depois do trabalho. a mãe só falava no corpo que tinha. no preço de sua nova roupa. a filha os copiava. a superficialidade era passada dos pais para a filha que se desfazia de quem não tinha sobrenome. o pai disse que se a mãe engordasse. ele largaria dela. a filha por sentir medo. emagrecia cada vez mais. senti pena. não pareciam reais. nem felizes. fugiam do tempo. camuflavam as marcas do conhecimento. exoneravam a verdade. se vendiam todos os dias por padrão.
não acho que amor sobreviva de baixas calorias. tampouco que alguém precise falar em valores não em palavras para ser "bacana" e legal. a vida é muito mais. prefiro falar de lugares. do que de grifes. experimentar novos sabores do que ficar em jejum. ter laços mais fortes do que fracos. preciso de mais proximidade do que de menos. prefiro passar o dia rindo do que preocupada.

será que sou assim tão inocente? ou indecente? ou fora da realidade?