quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Relação Homem e Mulher: Recursos Humanos.

Trabalhavam na mesma empresa. Ambos eram responsáveis pela admissão e demissão dos funcionários. Ele tinha um apartamento. Ela pagava aluguel. Todos os dias se encontravam as 6 e quinze da manhã no Café Mundi, antes do expediente de trabalho.
-Como é seu nome?
-Sofia. E o seu?
-Henrique. Te vejo o dia todo, mas não te conheço muito bem.
-Pois é. Meu dia passa voando. A empresa toma muito tempo, além de me deixar preocupada demais.
Talvez por ser mulher, ela pensava mais que ele. O salário era desigual. Talvez por ser homem, ele ganhava mais que ela.
Os funcionários da empresa, que tinha o mesmo número de homens e mulheres, gostava mais de Sofia. Henrique era “durão”, carrancudo e muito cheio de si. Ela não. Ouvia, conversava, sorria e sempre arranjava uma solução para os problemas.
Todos os dias se viam, é verdade. Mas nem sempre conversavam. Sofia pensava que Henrique competia com ela. Ele achava Sofia sensível demais.
-De novo no café?- Henrique.
-Pois é. Acho mais prático me alimentar no caminho. Assim vou organizando meu dia em pensamento.- sorriu Sofia.
-Não precisa se organizar tanto. Basta olhar os currículos, alguns servem, outros não.- Encarou-a.
-Gosto de ouvir o que eles pensam, conhecer a história de vida.
-Mas se faz isso com todos, você perde muito tempo.- Indignado.
-Não acho que conversar é perder tempo.- Olhou-o com um leve sorriso.
-Mulheres. Falam demais mesmo.
Viviam num mesmo mundo. Mas como homem e mulher, pareciam ser de outro planeta. Era difícil pra ele dividir a sala com uma mulher. Os tempos haviam mudado. Ela não se importava em olhar para a cara dele, mas achava que precisava de mais espaço, afinal tinha mais objetos. De certa forma, eram homem e mulher. Diferentes de um lado, complementares em outro. E embora tivessem visões divergentes, faziam a mesma coisa no RH.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

palavras. e mais palavras. outras palavras. tantas palavras.

Estavam em todos os lugares. manchadas. pintadas. escritas. podia tocá-las todo momento. em papel. ou voando com o vento. ela amava o que via. os sentidos. e significados. as histórias. e contextos. por isso se tornara escritora. porque ouvia. porque lia. porque descobria. eram histórias feitas de palavras. e traduzidas em frases. incorentes eram os loucos que não podiam ver. mas ela era incompreendida. porque só escrevia. era uma paixão. alucinação. sem coordenação. ás vezes quando ficava quieta. as histórias chegavam a ela. mesmo que em murmúrios. ou em gritantes sons. nem mesmo ela entendia. mas sabia. que era escolhida. não tinha endereço. nem parentesco. por isso se nomeava filha do mundo. das palavras. das línguas. dos mais profundos saberes. que em alguns momentos. ela não desvendava. por que tentava?
era perseguida. persuadida. entorpecida. era um vício aquele. ou sinônimo de vida. eram palavras. e mais palvras. e outras palavras. tantas palavras. e ela. só ela. ali no meio. peridida. mas gozava do saber. que só ela via. estava por todos os redores. em linhas maiores. escritas em por menores. e mais palavras.
tinha ela um dom. que poucos tiveram . o de triunfar. num mundo cego.

-Por que não vêem o que está escrito embaixo de seus olhos? está em todos os lugares. nas avenidas. e nas ruas pequenas. na penumbra da rotina. no mergulhar do dia. -gritou isso certa vez.

era doido mesmo esse mundo. que não tirava os tampões. ela tirava tudo. se despia para o novo. e o velho. o claro. e o escuro. desacreditava em tudo o que vinha dos impacientes. porque eles não viviam. tampouco cruzavam palavras.

Tudo o que ela não inventava, não era real. e ponto final.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Breve.

Ela sentia uma coisa estranha. as coisas pareciam fora do lugar. as cores já estavam desbotada. e o vento já não era mais brisa também. não sabia bem o que era. talvez estivesse fora do lugar. vagando. como uma criança perdida. que sente tanto medo depois do primeiro quarteirão desconhecido. procurava por ela mesma. não por ninguém. batia de porta em porta. tocava campainha. comprava fichas pra telefonar. mas estava só. ali. era a única que não sabia pra onde ia. vai ver que era por isso que ninguém ajudava. passou tantos anos seguindo passos. até descobrir que sabia andar sozinha. mesmo que não se sentisse segura. ajeitou a toca felpuda na cabeça. e olhou ao redor. viu tantas coisas. que nem sabia por onde começar. sorriu. os olhos dela brilhavam. o casaco aberto. fazia um movimento. como se tirasse a garota pra dançar. então ela saltitou. era levada. não se importava que os outros olhavam. porque agora ela estava só com ela mesma.

a maior verdade do mundo, é aquela que você acredita.

e ela tinha um lar agora. que era dela. por isso ela acreditava. que por mais ausente que estivesse. voltou a tempo de se encontrar.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A hora.

Ela sentia tanta dor, ajoelhava-se no chão enquanto os olhos se encobriam de água. Nada podia fazer, a não ser viver daquela maneira. O médico a recomendou outra sessão de um tratamento de choque, que daria a ela mais uns meses de vida.
Ela recusou, preferia viver só mais uns dias, era difícil esperar por alguém que roubarua dela a vida e não a traria de volta. Com as mãos trêmulas, buscou apoio na bengala que usava já há alguns meses, colocou uma roupa simples, e passou a mão nos cabelos, que já não existia mais.
Trancou a porta da casa que morava há longos anos, e por alguns segundos se lembrou dos bons momentos que desfrutara ali, ao lado de amigos e amores. Embora fosse sozinha agora, jamais deixou de se divertir com diferentes companheiros. Desceu as escadas, até o pequeno jardim, e vagarosamente chegou à calçada, onde acenou para um táxi.
-Quer ajuda senhora?
-Não precisa não, basta um pouco de paciência e eu me encaixo.
-Dia quente hoje, né?
-Olha sinto tanto frio, até mesmo quando o sol chega aos 40 graus, mas me lembro o quanto eu gostava de dias assim. Sempre preferi o calor ao frio.
-Ahhh...No frio as pessoas saem menos.
-Saem menos e deixam de se divertir.
-Aonde vamos?
-Me deixe no Ibirapuera, preciso ir à casa de um velho amigo.
O diálogo acabou ali, e ela se virou para janela, para que pudesse olhar mais uma vez as pessoas e a paisagem. Quanto já tinha andado pelas largas ruas daquela cidade grande, e tida como tão perigosa. Ela nunca teve medo, nem receios, sempre viveu. Para memória trouxe ainda o dia em que conheceu Alberto, alto, de olhos verdes, e cabelos cor de caramelo encaracolado, tinha acabado de chegar, e não sabia tomar ônibus, ele a ajudou, depois disso não deixaram mais de se ver. Chegaram até a namorar, mas ela tinha tantos companheiros naqueles anos dourados, que ele não suportou. Era ciumento, queria que ela fosse só dele, chegou a convidá-la para que morassem juntos.
Ela sorriu, e achou que ele estava contando uma piada, ela morar com um homem, queria ser livre, conhecer pessoas, viajar. E não cuidar de homem e casa, ele insistiu mais algumas vezes, mandou algumas cartas com lindos poemas, e depois, cansado, foi cuidar da vida.
Alguns anos depois, ele se casou, e mandou um convite para ela, no verso estava escrito que a amava, e que se ela mudasse de idéia ele não casava. Ela nem sequer foi ao casamento, estava bebendo vinho naquela noite, com alguns amigos, e se esqueceu. Ficou ainda alguns anos sem saber dele, e com a mão no coração, nesse momento, ela se lembra da saudade que sentiu. Era tarde demais, os anos 70 haviam passado, nenhum amigo lhe restou, a não ser algumas dependências, da qual ela se curaria mais tarde.
- Deu trinta e nove reais senhora.
-Obrigada.- disse ela depois de pagar e abrir a porta do táxi.
-Se quiser posso vir busca-la, fique com meu telefone.
-Obrigada mais uma vez, se precisar eu ligo.
A passos curtos, e com um pouco de falta de ar, ela andava pelo Ibirapuera, lembrando das manifestações de paz, que havia promovido, e dos luais que sempre acabavam na delegacia. Eram tempos difíceis aqueles, perdeu alguns amigos inclusive, no âmago da ditadura militar.
Chegou até um sebo, grande, empanturrado de livros e Cds, os corredores pareciam sem fim, e o cheiro de velharia,a fez espirrar. Um jovem se aproximou dela, olhou a palidez de seu rosto, e gritou para seu avô, precisava de ajuda, uma senhora passava mal. Ao chegar perto da senhora, o avô do rapaz até assutou.
-Corra Léo, chame uma ambulância!
-Alberto, é você?
-Margarida?
-Sim...não precisa chamar ninguém, a minha hora chegou.
-Não, acalme-se, não quero que sinta dor.
-Não sinto mais nada, precisava apenas encontrar a única pessoa que me amou de verdade. Quem foi que disse que eu não estaria nos seus braços mais uma vez?- tentou esboçar um sorriso.
-Permaneceu em meu coração todos esses anos...- disse ele olhando-a.
Ela fechou os olhos, e com um leve sorriso no rosto, disse adeus a seus dois grandes amores, a vida e Alberto.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A música.

Tomava o café, ali perto da casa dela. As paredes brancas, e a porta vermelha chamavam a atenção. Ela tinha escolhido, tudo o que estava ali, naquela casa, que era só dela. Pensava ser o mundo mais próximo do que ela queria. As fotos espalhadas pela parede, e pelas mesas redondas, a cortina quase transparente, os tacos no chão que cismavam fazer barulho quando ela andava. Ela sorria ao olhar para a casa de número 13, na rua das Palmeiras, com portão baixo, e muros cobertos de tijolinhos à vista. Ela que promovia eventos, conhecia tantas pessoas, saia todas as noites, menos aos domingos, quando ela gostava de ficar em casa, lendo, vendo tevê, ouvindo samba, olhando para os cantos. Precisava tanto descansar, tirar férias, mas não queria sair de casa, nem chamar os mais próximos para reuniões ou jantares. Precisava se encontrar sozinha, sem conselhos, sem risadas que não fossem as dela. Os cabelos ondulados, e sempre preso, ainda cheiravam o banho que tomou antes de sair de casa. Deixou o dinheiro do café, do lado da mesa, não cumprimentou ninguém, e saiu, caminhando pelas ruas, que ela conhecia tanto, e tão de perto. O cheiro de maça, que aquele bairro tinha, as pessoas paradas no portão, era tudo familiar. Ela observava silenciosa, cada passo que não fosse o seu, gostava de pessoas, mas não mantinha proximidades, era sozinha por opção. Tinha receio de se envolver, se decepcionar, criar casos, enfrentar brigas, conviver com mentiras. Para ela, que não precisava de ajuda, tudo estava bem até ali. Ao chegar no escritório de paredes brancas, e gente sem graça, a qual ela se animava de mentira, pegou um bilhete que dizia apenas: Mensagem de Amor. Perguntou quem havia deixado aquele papel em sua mesa, mas ninguém sabia ao certo. Olhou mais uma vez, as curvas feitas a mão, o jeito como foram colocadas as palavras, precisava saber.
-Hoje temos que organizar uma festa particular, de um tal de Caio Mendes, parece que é um jovem rico, que quer animar as mulheres, quer que tenha desfile, samba e frases jogadas na festa.
Ela respondeu que sim com a cabeça. Faria isso, porque era o trabalho dela, e mais uma vez teria que ficar fora de casa. Depois de trabalhar o dia todo, tomou um banho, ali mesmo no escritório opaco, deixou a água quente tocar seu corpo, e abaixou a cabeça, precisava de um tempo, de toda aquela coisa, de ser de mentira.
A festa estava cheia de mulheres, conhecidas e anônimas, mas todas cheias de classe, e beleza atraente. Ela vestia um vestido vermelho de seda, maquiagem leve, e rádio comunicador nas mãos. Não gostava que nada desse errado, era profissional e boa no que fazia, embora estivesse sem grandes ânimos pra tudo aquilo.
- Por favor, preciso de um minuto de atenção de todos vocês. Sou Caio Mendes, não sei se todos sabem, mas enfim, vocês estão em minha casa, e eu preciso que vão embora. Essa festa foi só um motivo do qual eu precisava, esperei por vários anos, alguém que só encontrei agora. Sim, é isso mesmo adeus a todos, e obrigado por se divertirem as minhas custas.
Foi assim, curto e grosso, ela espantada abaixou a cabeça, e apoiou as mãos na testa, como se aquilo tudo fosse irreal. Aquele homem, loiro, de olhos esverdeados, alto, inteligente, desejado. Como podia ser tão indiscreto, e insensível, e além de tudo dar tanto trabalho sem motivo? Não podia ter chamado a tal moça pra jantar, ligar, mandar flores, parecia tão simples.
-Oi- disse ele.
-Olá, já estou me retirando, amanhã o pessoal aparece para limpar sua casa.-disse ela, seca.
-Não se lembra de mim? O caio, aquele gordinho, perturbador que implicava com você até a quarta série?
-Estou cansada, não preciso de um doido inventando histórias.
-Claro que se lembra, você me odiava, porque eu te chamava de Maria-Chorona.
-Acho que me lembro sim, você me traumatizou, tanto que hoje eu não choro mais.
-Que bom, que te fiz um bem. Te procurei por tanto tempo, a última vez que te vi, foi quando tínhamos 16 anos, no show de Marcelo, nem me lembro onde.
-Pois é.
-Antes que você vá embora, preciso que me conceda uma dança.
Sem que ela respondesse, ele deu sinal para a banda que estava no canto do jardim, e então começaram a tocar Mensagem de amor. Ela logo entendeu de quem era o bilhete, que tanto a intrigou pela manhã. Ele deslizava as mãos nas costas dela, e a segurava, sem que ela pudesse escapar. Ela encostou o rosto nos ombros dele, sem entender, porque ela, ele podia escolher tantas ali, ou em outro lugar.
-Eu me apaixonei por você, desde que te vi há 15 anos atrás. Quis tanto te encontrar em qualquer canto, fui até sua casa antiga, mas você já não estava mais lá. Outro dia te vi saindo de uma casa de porta vermelha, parei ali, e desejei que fosse minha, nem que fosse só por uma dança. Nossa música, foi a que o Marcelo tocou no momento em que te vi.
-Fico feliz pelo seu interesse, mas entenda, os tempos são outros, eu não tenho mais nove nem 16 anos, não procuro relações mais estreitas. Gosto da minha vida como ela é.
-Não quero que você mude nada, quero apenas que me dê uma chance, de te conhecer, de perceber que eu estava certo.
Ela o empurrou, saiu correndo, como se precisasse fugir, dele, ou dela mesma. Parou na porta do carro, ajoelhou e chorou. Não deixava ninguém chegar perto dela, ela se assustava, porque gostava do que era. Era o que pensava, mas nem sempre o que sentia. Desejou que ele viesse atrás dela, e sem dizer nada a beijasse. Ele não foi, ela esperou até o amanhecer, foi pra casa. Ao abrir a porta, tirou os sapatos, que já apertavam os pés, ligou o rádio, e sentou no corredor. A música deles, tocava e embalava as lembranças que ela não guardava, Mensagem de Amor, foi a música que ele mandou tocar todos os dias pra ela, durante 30 anos, no mesmo horário. Ela permaneceu ali, naquela casa branca, de portas vermelhas, Ele também ficou no mesmo lugar. Em todos esses anos, ouviam a música deles, pensavam um no outro. Até que um dia, cansado de desejar, foi a procura dela. E ela estava ali ao lado da casa de portas vermelhas, tomando café, quando viu um senhor se aproximar, e olhar para o portão da casa. Assustada, ela correu, saber o que queria ali. Quando ele se virou, nada disse, apenas a beijou.

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Os livros na estante já não tem mais tanta importância /Do muito que eu li, do pouco que eu sei/Nada me resta/A não ser a vontade de te encontrar/O motivo eu já nem sei/Nem que seja só para estar ao seu lado/Só pra ler no seu rosto/Uma mensagem de amor/A noite eu me deito,/Então escuto a mensagem no ar/Tambores rufando/Eu já não tenho nada pra te dar/A não ser a vontade de te encontrar/O motivo eu já nem sei/Nem que seja só para estar ao seu lado/Só pra ler no seu rosto/Uma mensagem de amor/No céu estrelado eu me perco/Com os pés na terra/Vagando entre os astros/Nada me move nem me faz parar/A não ser a vontade de te encontrar/O motivo eu já nem sei/Nem que seja só para estar ao seu lado/Só pra ler no seu rosto/Uma mensagem de amor.
(Mensagem de Amor)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

a Volta

começava a se vestir quando o dia fugia. trabalhava a noite. com roupas curtas. maquiagem tonante. e clientes fumegantes. parte dessa escolha tinha sido a necessidade. mas ela gostava. porque se sentia corajosa. forte. e dona de si mesma. não tinha família. desde o dia em que se tornara prostituta. e também não tinha horário. nem regras. mas precisava sobreviver. e vendia o corpo. as camas eram sujas. os carros apertados. as esquinas perigosas. mas ela era de ferro. quando sentia a luz quente no corpo. já o curvava. e debruçava na janela.
-Quanto é?
-Quanto você acha que vale?
-Olha acho que prazer deveria ser gratuito. mas pra você eu dou quarenta.
-Pra me possuir é cem.
-Nossa delícia...
-Vai ser inesquecível. prometo.
ele destravou a porta. e ela começou o trabalho. ali mesmo. enquanto o sinal fechava. as pessoas ao lado. não incomodavam a manifestação dela. era apenas uma profissional. que dormia de dia. fazia aquilo por si mesma. mas até quando. seguraria a barra. de ser sozinha. não tinha nem confidentes. tampouco amigos. lhe bastava os vizinhos. intrometidos. qua tanto comentavam a vida dela. naquela noite. ela foi embora. antes do sol raiar. estava incomodada. foi andando. e deslizando no asfalto imundo da cidade grande. os carros pareciam holofotes. mas ela continuava. não mudava o passo que era lento. e fazia barulho. a chuva começou a molhar os curtos cabelos negros. e ainda borrar a maquiagem dela. que continuava. sem olhar pra trás. e nem encarar ninguém de frente. o corpo esguio. girava ao som de um trompete imaginário. e ela erguia os braços.
-Cansei de ser herói. cansei da noite. cansei de mim.
foi assim que chegou em casa. morta. por fora. e por dentro. queria ser fraca por um momento. e desistir de tudo. voltar pra casa. pedir desculpas. se redmir da vergonha. tinha pensado por tantos anos que estava certa. mas percebeu que ser de qualquer um. se sujeitar a qualquer canto. não deveria ser assim. precisava de atenção. de jantares. de cinema. de beijos furtivos. e sorrisos abertos. queria alguém que fosse só dela. estava tão cheia de lamentações. quando começou a arrumar as malas. não voltaria pra imperdoável esquina da solidão. seria seguidora de um Deus. mesmo que não acreditasse em nada. seria boa como sua mãe. que sabia de tudo. mesmo sem ter sequer o ensino fundamental completo. queria conhecer todos os cantos. não seria mais escolhida pelas luzes da noite. agora era hora de voltar. pegou um ônibus que rumava para o interior. e foi olhando pela janela. tudo o que estava deixando. ao chegar no seu lugar. olhou em volta. tudo estava tão igual. as mesmas pessoas. e outras tantas. foi andando. devagar. todos foficavam. mas ela não se importava com isso. continuava. ao chegar em sua casa. viu sua mãe no portão. como se soubesse que ela chegaria. o sorriso daquela velha senhora. de cabelos negros. misturados com os brancos. se abriu. e ela correu pra receber a filha.
-Senti tanta saudade. te esperei por todos estes anos. aqui nesse portão.
-...- ela preferiu não dizer nada. os olhos cheios de água. lambusavam os ombros da mãe.
ao pisar em casa. sentiu o cheiro que nunca havia esquecido. os quadros estavam no mesmo lugar. assim como o tapete marrom e palha. e o sofá era aquele marrom que ela viu seu pai carregar um dia.
-Sente-se. vou chamar o papai. ele vai ficar feliz também.
ela não tinha muita certeza sobre isso. seu pai jamais a aceitaria de volta. mas talvez se ela dissesse arrependida. ou explicasse que precisava de um tempo. poderia ser entendida. por ele. que era um senhor alto. com pernas fias. e uma barriga saliente. os cabelos brancos. e a buchecha vermelha. chegou a porta. olhou-a. como se estivesse inconformado. jamais esperaria ela ali. no seu sofá. ficou por alguns segundos parado. tudo estava em silêncio. a mãe na expectativa. assim como ela. o que ele faria.
-Eu voltei. porque...
-Não precisa me dizer nada. você é minha família. e te esperei todos esse anos. que entrasse por aquela porta. e eu pudesse alisar seus cabelos mais uma vez. fui muito duro com você. e deixa tudo isso pra lá. vem vamos almoçar.
foi assim que ela perdeu a coragem. e voltou. desistiu. resistiu. mudou de vida.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Ufaaa, falei!

De quantos tombos precisamos, para aprender a andar direito?
Foi essa a pergunta que me fiz, centenas de vezes. Depois de abominar algumas regras, desistir de alguns lugares, insistir em algumas pessoas, percebi que quanto mais eu erro, menos aprendo.
Muito se fala do amor. do toque. da espera. do sentido. mais não quero falar disso exatamente. quero mais. quero falar de pessoas. e essas cada vez que respiro. precebo que não valem a pena. não que eu seja exagerada. ou parcial demais.me sinto apenas sincera. realista. vivida. não sei como os outros são; e por isso acredito que todos se pareçam comigo. e quando me simpatizo com alguém. e ainda vou mais além. o chamo de amigo. esta pessoa. perde nome. sobrenome. conta bancária. atributos físicos. sobram apenas as risadas. as lágrimas que a gente seca. as histórias que a gente guarda pra contar depois. as noites que dividimos a mesma cama. ou no mesmo espaço. a roupa que a gente empresta. os conselhos que a gente dá e recebe. a preocupação que guardamos. as músicas que ouvimos. o segredo que contamos. e algumas outras tantas coisas. eu pelo menos sou assim. apesar de ser uma pessoa de poucos amigos. porque não acho que essa seja uma qualidade. que se dá em qualquer esquina. ou se compra em um botequim. penso que ser amigo. é atemporal. não tem lugar. não tem distância. e se lixa pra conta de telefone. e mais. muito mais. chega a ser amor. e eu dou minha vida para as pessoas que amo. porque só sei ser exagerada. excessiva. demasiada. hipérbole continuada. é meu jeito. minha sintonia. minha pessoalidade. e depois eu tombo. porque acredito que as pessoas são assim. como eu. que acordam de madrugada. que atendem os telefonemas. que passam a noite no hospital. que dão carona. deixam de matar a fome. para dividir com o amigo. gastam a mesada na conta do telefone. porque amigos. são pra essas coisas. inclusive para comprar brigas. da qual você não faça parte. afinal quem mexe com algum amigo seu. te torna parte do evento. parece engraçado. sem não fosse tão trágico. ou real. as palavras aqui jogadas. são um desabafo. de alguém frustrado. com a vida real. com os amigos. que a gente descobre que são de mentira. ou imaginários. e infelizmente. a gente cai. e espera levantar. mas o tempo. esse sim é nosso melhor amigo. traz todas as curas. e guarda todas as boas histórias.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O Contador de História.

Ficava sobre a mesa. Ao lado de uma caneta e um pincel. Era papel branco e vazio. E sentia medo de ser esquecido. Queria cor, olhava palavras, esperava sentidos.
Certo dia, achou que seria útil, poderia narrar história, desenhar sol e lua, ou ainda guardar segredos. Passava a vida só, tentou conversar com um clips uma vez, mas ele não respondeu.
A caneta o tocou um dia. Perguntou se doía. O papel disse que não. Desejou por tantas vezes aquele momento. Até que se apaixonou.
As palavras ali jogadas, o transformavam em contador, aventureiro, namorado e amante. E a caneta o tocava. Tão suave era seu cheiro e tão gostoso seu sabor.
Depois de dias entrelaçados, a caneta e o papel se despediram. Ele tinha sido dela e ela havia se derramado nele. Era um amor de tardes e noites, às vezes manhãs.
No outro dia, o papel voltou a ser só, sobre a mesa. A caneta era vista de longe. E mesmo que desejada, não era mais dele. Talvez não houvesse espaço no papel, ou então era porque ela era de outro, e não podia mais ser dele.


P.s: Esse texto foi retirado de um portifólio, feito como trabalho estudantil, ainda este ano por mim.

sábado, 1 de novembro de 2008

o ato.

pensou em sair dali. à noite. pra que ninguém pudesse vê-la. nem reconhece-la. iria embora. trancaria as portas da casa amarela. junto com as janelas. apagaria as luzes. e nunca mais voltaria. nem pra limpar a sujeira. que o abandono deixa. pensou em se mudar pra cidade vizinha. apesar da ebulição. pela qual passava. não queria ficar tão longe de sua vida. só precisava de um tempo. talvez se montasse uma cabana no meio do mato. mas teria medo do silêncio que a noite faz. e também. precisaria conversar. uma hora ou outra. com alguém. podia ser desconhecido. as pessoas com a qual ela mantinha relações sociais. estavam tão distantes. que só lhe restava o resto do mundo. que pra ela parecia pouco. sempre quis mais. mais gente. mais calor. mais frio. mais noite. mais comida. mais cerveja. mais cigarro. era uma exagerada verdadeira. tinha tanto medo de morrer. ali. sem nunca ter tido outra vida. que num súbito colapso de imensa força. mostrou-se encorajada. era hora de pedir demissão. e se readmitir na sessão de vida. passava horas naquela sala. átras de pessoas. que por vários anos. mal a olhavam dentro dos olhos. era uma convivência superficial. da qual ela não sentiria falta. queria mais calor humano. essa coisa de educação. já não lhe passava mais pela cabeça. agora faria o que tinha vontade. não agradaria mais ninguém. que não a encarasse de frente. não deixaria de pisar na grama também. principalmente quando estivesse chovendo. era livre do mundo. e de si mesma. deixaria as roupas guardadas no ármario. a torneira fechada. o portão trancado. levaria consigo. só o que lhe importava. de resto. nada restava. cansou. deixou. e foi. viver a vida.