sábado, 17 de janeiro de 2009

Cidade Grande, tempo pequeno.

Já fazia alguns anos que havia chegado na cidade grande. Fora criada no interior, e ainda se encantava com as pessoas e as luzes da "metrópole". Gostava de abrir as janelas, de noite, e ver como as cores se misturavam rapidamente, ali embaixo, em sua calçada. Tantos passos e caminhos passavam por ali, já tinha perdido as contas, mas não a vontade de olhar. Agora que já tinha seus vinte e poucos anos, fazia alguns planos. Precisava conhecer alguém, casar, ter filhos, mas não pensava em voltar para sua pequena cidade.
-Aqui a vida é maior. Tudo é mais.
Era isso que dizia quando lhe perguntavam porque havia se mudado. Os telefonemas e as cartas foram diminuindo, os parentes e amigos, pareciam tão distantes. Fechou as janelas, e foi se deitar, amanhã teria médico logo pela manhã. Depois iria dobrar roupas na loja em que trabalhava durante o dia. Já se sentia cansada só de pensar, deitou-se na cama, fez sua prece, e dormiu rápido.
-Oi, meu nome é Clarice, tenho consulta com o Dr. Marco Aurélio, exames de rotina, nada demais, mas o trabalho exige essas coisas, que eu acho ...
-Tudo bem, senhora. Pode aguardar ali, já será chamada.
Ela ainda estranhava a indiferença daquele povo metropolitano. Se fosse na cidade dela, continuaria falando por mais alguns minutos, e logo se formaria uma prosa gostosa.
-Coloque essa outra roupa, pode pendurar suas coisas ali naquele armário, o Doutor já espera por você.-Disse a enfermeira-recepcionista, sem muitas delongas.
Alguns minutos depois, trocou de roupa, e se sentou em frente ao médico, que era careca e magro, parecia um doente de tão pálido, devia trabalhar muito o coitado, foi o que pensou.
-E então, tudo certo?
-Dona Clarice, temos um pequeno probleminha, mas fique calma.
-Tudo bem, sei resolver problemas, afinal vivo sozinha...
-Ok. Os exames revelaram um pequeno cisto dentro do seu ovário, e precisaremos de mais exames, para confirmar o que isto significa.
-Como assim? O que é isso?- já sem fôlego e confusa.
-Dirija-se à sala ao lado, faremos isso imediatamente.
Estava sozinha ali, e agora sentia medo. Talvez, se não tivesse ido ao médico, se não cumprisse as exigências do patrão. Mas sentia-se cansada, e andava vômitando à alguns dias. Para ela, era uma virose, dessas que passam com o tempo. O exame durou cerca de meia hora, e a essa altura já teria perdido o horário de trabalho, estava ainda mais aflita.
-Sinto muito senhora, mas receio não poder lhe ajudar. Seu ovário, útero e acredito que mais partes estão tomadas. Infelizmente, não posso lhe receitar remédios ou tratamentos.
Ela saiu dali, as lágrimas escorriam pelo rosto, resolveu correr, talvez estivesse dormindo e tendo pesadelos. No fundo sabia que não, mas era díficil aceitar que não teria muito tempo mais. E ainda, tinha tanta coisa pra fazer. Deveria ir embora, voltar pra casa, fazer uma lista. A única coisa que fez, foi sentar-se na praça Buenos Aires, e olhar as pombas que ficavam ali. Teriam mais tempo que ela. Reparou nas cores, que se misturavam com maior intensidade naquela manhã, e sorriu. Não porque estivesse feliz, mas porque apesar do medo, deixaria tudo que não fosse importante de lado. A primeira coisa a fazer, é comprar uma passagem de volta para o interior, procurar os amigos, abraçar os pais, e esquecer do tempo, que pra ela, já não tinha mais relevância.

5 comentários:

Letícia disse...

Dia desses eu falei isso. A gente sempre acaba voltando pra casa. Porque é o nosso lugar. E sempre me sinto um tanto andróide em consultórios.

Bjs, Jaque.

E você mudou. Não usou pontos.

Jaqueline Lima disse...

LeTÍCIA- ACho que eu sinto tanto a falta de casa, o cheiro que minha terra tem, que isso influencia em meus contos. Afinal, os personagens smpre resolvem voltar para suas raízes!

Flávia disse...

Pois é, eu também notei que você não usou pontos!

E tenho feito esse percurso, de voltar para casa. Nesse caso, meu "dentro" - lugar que eu havia esquecido, e que sentiu minha falta, e do qual eu senti falta também.

Um beijo!

Flávia disse...

Pois é, eu também notei que você não usou pontos!

E tenho feito esse percurso, de voltar para casa. Nesse caso, meu "dentro" - lugar que eu havia esquecido, e que sentiu minha falta, e do qual eu senti falta também.

Um beijo!

Germano Viana Xavier disse...

Olá, Jaque!

Estive fora de casa por uns dias, viajando pelos estados de Alagoas e Pernambuco com meu pai e visitando o passado. Só agora que retornei pude ler o comentário deixado no Clube de Carteado. Agradeço enormemente pela presença. É sempre bom ter você como companheira de leitura. E sigo com aquele meu desejo antigo de continuarmos...

Abraço forte e sincero.

Germano Xavier