Já fazia alguns anos que havia chegado na cidade grande. Fora criada no interior, e ainda se encantava com as pessoas e as luzes da "metrópole". Gostava de abrir as janelas, de noite, e ver como as cores se misturavam rapidamente, ali embaixo, em sua calçada. Tantos passos e caminhos passavam por ali, já tinha perdido as contas, mas não a vontade de olhar. Agora que já tinha seus vinte e poucos anos, fazia alguns planos. Precisava conhecer alguém, casar, ter filhos, mas não pensava em voltar para sua pequena cidade.
-Aqui a vida é maior. Tudo é mais.
Era isso que dizia quando lhe perguntavam porque havia se mudado. Os telefonemas e as cartas foram diminuindo, os parentes e amigos, pareciam tão distantes. Fechou as janelas, e foi se deitar, amanhã teria médico logo pela manhã. Depois iria dobrar roupas na loja em que trabalhava durante o dia. Já se sentia cansada só de pensar, deitou-se na cama, fez sua prece, e dormiu rápido.
-Oi, meu nome é Clarice, tenho consulta com o Dr. Marco Aurélio, exames de rotina, nada demais, mas o trabalho exige essas coisas, que eu acho ...
-Tudo bem, senhora. Pode aguardar ali, já será chamada.
Ela ainda estranhava a indiferença daquele povo metropolitano. Se fosse na cidade dela, continuaria falando por mais alguns minutos, e logo se formaria uma prosa gostosa.
-Coloque essa outra roupa, pode pendurar suas coisas ali naquele armário, o Doutor já espera por você.-Disse a enfermeira-recepcionista, sem muitas delongas.
Alguns minutos depois, trocou de roupa, e se sentou em frente ao médico, que era careca e magro, parecia um doente de tão pálido, devia trabalhar muito o coitado, foi o que pensou.
-E então, tudo certo?
-Dona Clarice, temos um pequeno probleminha, mas fique calma.
-Tudo bem, sei resolver problemas, afinal vivo sozinha...
-Ok. Os exames revelaram um pequeno cisto dentro do seu ovário, e precisaremos de mais exames, para confirmar o que isto significa.
-Como assim? O que é isso?- já sem fôlego e confusa.
-Dirija-se à sala ao lado, faremos isso imediatamente.
Estava sozinha ali, e agora sentia medo. Talvez, se não tivesse ido ao médico, se não cumprisse as exigências do patrão. Mas sentia-se cansada, e andava vômitando à alguns dias. Para ela, era uma virose, dessas que passam com o tempo. O exame durou cerca de meia hora, e a essa altura já teria perdido o horário de trabalho, estava ainda mais aflita.
-Sinto muito senhora, mas receio não poder lhe ajudar. Seu ovário, útero e acredito que mais partes estão tomadas. Infelizmente, não posso lhe receitar remédios ou tratamentos.
Ela saiu dali, as lágrimas escorriam pelo rosto, resolveu correr, talvez estivesse dormindo e tendo pesadelos. No fundo sabia que não, mas era díficil aceitar que não teria muito tempo mais. E ainda, tinha tanta coisa pra fazer. Deveria ir embora, voltar pra casa, fazer uma lista. A única coisa que fez, foi sentar-se na praça Buenos Aires, e olhar as pombas que ficavam ali. Teriam mais tempo que ela. Reparou nas cores, que se misturavam com maior intensidade naquela manhã, e sorriu. Não porque estivesse feliz, mas porque apesar do medo, deixaria tudo que não fosse importante de lado. A primeira coisa a fazer, é comprar uma passagem de volta para o interior, procurar os amigos, abraçar os pais, e esquecer do tempo, que pra ela, já não tinha mais relevância.
sábado, 17 de janeiro de 2009
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5 comentários:
Dia desses eu falei isso. A gente sempre acaba voltando pra casa. Porque é o nosso lugar. E sempre me sinto um tanto andróide em consultórios.
Bjs, Jaque.
E você mudou. Não usou pontos.
LeTÍCIA- ACho que eu sinto tanto a falta de casa, o cheiro que minha terra tem, que isso influencia em meus contos. Afinal, os personagens smpre resolvem voltar para suas raízes!
Pois é, eu também notei que você não usou pontos!
E tenho feito esse percurso, de voltar para casa. Nesse caso, meu "dentro" - lugar que eu havia esquecido, e que sentiu minha falta, e do qual eu senti falta também.
Um beijo!
Pois é, eu também notei que você não usou pontos!
E tenho feito esse percurso, de voltar para casa. Nesse caso, meu "dentro" - lugar que eu havia esquecido, e que sentiu minha falta, e do qual eu senti falta também.
Um beijo!
Olá, Jaque!
Estive fora de casa por uns dias, viajando pelos estados de Alagoas e Pernambuco com meu pai e visitando o passado. Só agora que retornei pude ler o comentário deixado no Clube de Carteado. Agradeço enormemente pela presença. É sempre bom ter você como companheira de leitura. E sigo com aquele meu desejo antigo de continuarmos...
Abraço forte e sincero.
Germano Xavier
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